NÃO MAIS, MAS AINDA: ANA TEIXEIRA
O trabalho de Ana Teixeira investiga o modo como nos relacionamos, contamos nossas histórias e nos comunicamos. Tanto em seus desenhos e objetos, quanto em suas ações, seu interesse é estabelecer contatos e engendrar relações entre seres, coisas, palavras e espaços.
Nesta nova série, denominada “NÃO MAIS, MAS AINDA”, a artista mostra desenhos, objetos, fotografias, um filme e uma performance, todos sobre a ausência e as estratégias para suportá-la.
A performance, denominada: Falta-me qualquer coisa que seja feita de vento acontecerá na abertura da exposição.
“– Seria mais fácil ter perdido uma parte externa de mim.
Amores moram dentro. A perda, não por desavença, mas por decisão da natureza, é avassaladora, como se um órgão interno tivesse sido removido. O corpo não funciona mais como antes. Fica alterado. A dor, como de um prego perfurando o pulso, é o que mais se assemelha a esse sentimento insuportável que nos acomete quando percebemos a finitude. Ele, ser amado, já não está, eu um dia não estarei. A ausência passa a ser o que é mais presente. Então ele ainda está, só que nessa forma de ausência. Não faleceu simplesmente. Ele é falecido.
A exposição “Não mais, mas ainda” de Ana Teixeira elabora o luto em desenhos, fotografias, instalações e em uma performance. Se nossa época não provê rituais suficientemente reconfortantes ou se nossa sociedade não é um grupo acolhedor, cabe a cada um inventar seus ritos de passagem. E Ana Teixeira o faz desenhando mãos que sentem na carne a dor de não mais alcançar o que querem. Perfuradas, queimadas, espremidas, essas mãos desenhadas com linhas brancas em papel preto repetem a palavra tatuada no pulso: ainda. São duras, resistem à dor. Em dois grandes desenhos, também em branco sobre papel preto, galhos de árvores, de um imaginário que pertence ao fantástico e ao fantasmagórico, lançam-se como se quisessem povoar os cômodos. Brotam do armário, saem da cama, ainda estão lá. O sapato é signo dessa ausência, a flauta só toca essa mesma melodia, a dos galhos da melancolia. Em outro desenho, uma mão lânguida deixa-se tomar por esses brotos de tristeza. Nem parece a mesma mão forte que no início do processo se deixava perfurar.
Finalmente mãos e galhos se fundem na instalação de parede com 35 peças que ora parecem pequenos galhos, ora assemelham-se a mãos crispadas. Força para aguentar a dor e vontade de melancolia integradas na mesma peça.
As fotografias dessa exposição remetem a um filme cujas imagens se perderam, e do qual restou só a legenda: – E pra que serve a lua agora?
Cultivar a ausência, regá-la com o choro, legendá-la com palavras, são estratégias para procrastinar a retomada, manter-se na companhia, ao menos, da ausência, adiar a reinvenção da vida nesse corpo novo, que perdeu um apêndice. Aliás, dois: tanto a pessoa amada quanto a ilusão da infinitude. Interessantemente, diz-se em português que quando uma pessoa sabe que vai morrer, está desenganada. Enganamo-nos em todos os outros momentos, com a suave ilusão de que somos perpétuos. Quem perdeu alguém amado desengana-se também, passa a viver sem o apêndice do auto-engano, consciente de que a vida acaba. Não é coisa fácil tocar adiante nesse novo corpo. O luto sobe, como um balão preto cheio de hélio, mas não voa fácil pela janela, fica pairando no teto do cotidiano.
Encher de ar cem balões pretos, soprando dentro deles, insuflar com toda melancolia que esteja guardada nos pulmões essas membranas pretas e hiperoxigenar o corpo: a performance pode ser um belo ritual de encerramento do luto. E para o ritual ser coletivo, o visitante leva um balão branco, vazio, com a inscrição “ainda”. A ele cabe o sopro.
– Falta-me qualquer coisa que seja feita de vento.”
Paula Braga