GROUND: TULIO PINTO
Ground | fazer da matéria mente
A seleção de trabalhos que Túlio Pinto apresenta em Ground reúne algumas ideias caras ao artista desenvolvidas em suas propostas ao longo dos últimos anos. Essas ideias são expressas pelas relações de contato e proximidade de diferentes materiais e princípios; diferenças que quando contrapostas reforçam suas qualidades mais fundamentais, expressas no modo como essas remetem ao corpo e suas limitações: flexibilidade, queda, tensão, rigidez e equilíbrio.
Túlio afirma que sua atenção está voltada para o solo, para o impacto sólido de sua presença, como uma força capaz de redefinir as ações nos trabalhos. Mas percebemos isso de modo indireto, mediado por estratégias contrapostas e materiais que se distendem e se retesam.
Assim, os trabalhos são concebidos como sistemas conexão de um conjunto de fenômenos cuja escala e intensidade nos atrai e nos põe em alerta como uma presença. Esses fenômenos são próprios do mundo físico, da força bruta que atua continuamente e sem razão: uma linha estirada liga um peso a um plano de vidro, produz um equilíbrio improvável entre solidez e transparência; o ferro nos mostra o fundamento do que é feito o vidro que lhe intercepta, sua fragilidade. A aproximação dessas diferenças se transforma em oportunidade de tomarmos distância, de percebermos como a ação constante de uma força testa nossa compreensão do mundo.
A gravidade atrai todos os corpos para o centro da terra. Podemos apenas imaginar esse ponto onde se concentraria toda a tensão, o peso movente de nosso corpo e o desejo que experimentamos tão inacessível quanto o Outro. Todas as nossas ações convergiriam para esse zero infinito, não fosse o esforço de projeção, extensão e vôo; que fazem da mente algo diferente da matéria.
Portanto, nós conhecemos bem as forças postas em jogo em Ground, mas as conhecemos dentro de um outro contexto. Os sistemas propostos por Túlio nascem dos mesmos conflitos de forças no qual estamos cercados. Eles fazem referência a essas forças que, ao mesmo tempo em que nos confinam no espaço absoluto de um ponto, geram a possibilidade poética de evasão e criação.
Vivemos empuxos, compressões, quebras e vertigens numa velocidade que nos impele a consentir sem refletir. Benjamin já nos falava a quase um século: a interrupção e o choque são assimilados pela necessidade de seguirmos adiante e o que nos resta são fantasmagorias.
Quando nos aproximamos dos trabalhos em Ground somos atraídos a decifrar a lei que organiza cada conjunto; reconstruir a continuidade que permite aos materiais desafiar seu destino. Na oscilação entre proximidade e fuga a arte nos interroga, nos propõe uma pergunta cuja resposta equivale em nossa mente a abertura sensorial e conceitual de um impasse. Mas o tempo da interrogação é o da espera, da tensão estacionária que torna o familiar estranho, por isso a expectativa de um desfecho, como o desarme de uma armadilha.
A experiência da arte se dá nesse intervalo, quando emergimos da experiência sensorial buscando um sentido perdido. O contrário é simples aceitação.
Flávio Gonçalves, abril de 2013.
Ground | From Matter to Mind
The selection of work that Túlio Pinto presents on Ground gathers some clear ideas to the artist, developed in his propositions over the past years. These ideas are expressed by the relations of contact and proximity of different material and principles; differences that, when counterposed, reinforce its most fundamental qualities, expressed in the way it refers to the body and its limitations: flexibility, drop, tension, strength and balance.
Túlio states that his focus in on the ground, to the solid impact of its presence as strength capable of reset the action on works. But we notice that in an indirect way, mediated by counterposed strategies and materials that distend and stretch.
Thus, the works are designed as systems – connection of a set of phenomena which draws in scale and intensity and, as a presence, puts us on alert. These phenomena are proper of the physical world, the raw power that operates continuously and reasonless: a stretched out line connecting a weight to a plane of glass produces an unlikely balance between solidity and transparency; the iron shows us the foundations of what the glass that intercepts it, its fragility. The proximity of those differences becomes an opportunity to take distance, to realise how the constant action of a force tests our comprehension of the world.
Gravity attracts all bodies towards the centre of the earth. We can only imagine where that point would concentrate all the tension, the moving weight of our body and the desire to experience it – as inaccessible as the other. All our actions would converge to this infinite zero, if it wasn’t for the effort of projection, extension and flight; that makes mind something different from matter.
Therefore, we know well the forces brought into play in Ground, but we know it within a different context. The systems proposed by Túlio are born from the same conflict of forces in which we are surrounded. They refer to those forces that, at the same time they confine us in the absolute space of a point, generate the possibility of dropout and creating poetry.
We live thrusts, compressions, breaks and vertigo in a speed that drives us to consent without reflecting. Benjamin already told us almost a century ago: disruption and shock are assimilated by the need to move forward and what is left for us is phantasmagoria.
When we approach the work on Ground we are attracted to decrypt the law that organizes each set; rebuild the continuity that allows materials to defy their fate. In the oscillation between proximity and escape, art questions us and proposes a question whose answer is equivalent in our mind to the opening of a sensorial and conceptual dilemma. But the time of interrogation is the time of waiting, of stationary tension which makes the familiar strange. Therefore the expectation of an outcome, like disarming a trap.
The experience of art comes in this gap, when we emerge from sensorial experience aiming a lost sense. The opposite is merely acceptance.
Flávio Gonçalves, April 2013.