MOLAS: REJANE CANTONI & LEONARDO CRESCENTI
Molas são esculturas cinéticas vestíveis, desenhadas para produzir no usuário sensações áudio-tátil-visuais.
As esculturas são compostas de fios de aço-mola torcidos, modelados, endurecidos, metalizados e de conectores.
A forma, a escolha do material e os tratamentos utilizados foram definidos em função da combinação: ergonomia, rigidez e elasticidade.
Para serem portadas em torno do pescoço, 06 espiras de 3,5 milímetros de espessura x 210 milímetros de diâmetro x passo de 20 milímetros, tilintam enquanto comprimem ou alongam em função do deslocamento do corpo do interator.
Para serem portadas em torno do braço, 20 a 30 espiras de fios de aço-mola de 1,1 milímetros de espessura x 8,5 a 9,5 milímetros de diâmetro x passo 0, comprimem ou alongam, deslizando, produzindo efeitos táteis em função da posição para cima ou para baixo do braço.
Para o observador externo, a natureza elástica das esculturas produz também efeitos óticos e cinéticos. Quando o objeto é comprimido ou estendido, a força à que ele é submetido desenha padrões lineares de comprimento proporcionais as variações em progressão geométrica.
Mola: fio de aço-mola: liga metálica submetida a altas temperaturas, que produz um efeito memória neste material. Ou seja, ele tende a retornar a posição original.
Espira: cada aro da mola.
Passo: distância entre as espiras.
Esculturas Vestíveis: do corpo no espaço ao espaço do corpo
por Priscila Arantes
“Na obra de Ts’ui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, as veredas desse labirinto convergem”
(O jardim das veredas que se bifurcam, Jorge Luis Borges)
Em um breve, porém relevante texto escrito em 1957, Marcel Duchamp discute o complexo processo de criação artística. Para o autor há dois pólos na criação da obra de arte: o artista e seu público. No ato criador, o artista passa da intenção à realização e concretização de sua idéia a partir de diversos processos subjetivos e complexos. “Aparentemente o artista funciona como um ser mediúnico que, de um labirinto situado além do tempo e do espaço, procura caminhar até uma clareira”, sinaliza Duchamp.
São por entre estes labirintos, avanços e recuos, bifurcações e entroncamentos, que a dupla de artistas Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti parecia se encontrar no dia em que estive com eles, neste início de 2012, para escrever este breve artigo sobre o trabalho que a dupla foi convidada a realizar: “uma jóia que transcendesse as jóias convencionais e que apresentasse uma lógica arquitetônica e construtiva que de alguma forma fosse parecida com nossos trabalhos”, dizem os artistas.
Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti vêm construindo uma trajetória singular dentro do campo da arte contemporânea incorporando estratégias e procedimentos em que o corpo e o movimento do corpo em contacto com a obra têm sido muitas vezes, uma das molas propulsoras de seus projetos. Trabalhando com instalações, site-specifcs e esculturas cinéticas, suas obras, realizadas com metais, espelhos e outros materiais, se movimentam e se comportam a partir da relação com o público.
Este é o caso de Infinito ao Cubo, Piso, Espelho, Solar, Túnel e Solo. Piso, por exemplo, é um projeto desenhado para ser acionado pelo público que, ao pisar no dispositivo, transfere seus dados de força e de movimento gerando uma onda que percorre uma chapa metálica de 20 metros de comprimento. Apesar das diferenças e especificidades de cada projeto o corpo é sempre pensado como uma interface: não somente ele é o motor da obra, mas, também, é sobre e no corpo do público que o dispositivo atua. De certa forma seus projetos apontam para o prognóstico de Duchamp ao sinalizar que o público é peça fundamental na criação da obra de arte: “o ato criador não é executado pelo artista sozinho. O público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas”.
É aqui, desta potência, deste colocar em contacto, em diálogo, desta pertinência ao corpo e ao público que encontramos o ponto de partida para o complexo labirinto de criação desta dupla: “Em geral, nossos trabalhos são desenhados como arquiteturas; o espaço contem o corpo. Neste projeto, no entanto, o corpo deverá portar o trabalho. O desafio é criar uma espécie de instalação-jóia; uma espécie de escultura cinética portável pelo corpo e vestível de alguma forma. São esculturas vestíveis”, dizem os artistas.
Se o labirinto é, de fato, o percurso do ato da criação, com inúmeras veredas e caminhos, operando dentro de recortes e dimensões diversas, as jóias interfaces parecem agrupar diferentes referências e diálogos com as memórias e vivências subjetivas dos artistas. “Um conjunto de referências nos estimulou a pensar formas para elaborar uma escultura vestível. Um exemplo é o figurino sonoro portado pela imperatriz chinesa. Em suas roupas pedrarias, guizos e outros elementos bordados tilintavam informando sua presença, comportamento e a maneira do seu caminhar”. Outra referência faz alusão à magia e à potência estética quando os artistas se referem à visita que fizeram ao museu do ouro em Bogotá: “os xamãs usavam adereços como pulseiras, brincos, colares, máscaras, alguns feitos de folhas de ouro recortadas de maneira a produzir efeitos cinéticos…aos olhos dos outros membros da tribo, a visão deste homem vestido de adereços brilhantes causava a ilusão de que ele era o próprio sol”. Já a última referência “é a história de uma amiga que usava em seu braço uma numerosa coleção de pulseiras de prata. Durante uma cirurgia recebeu orientação médica para tirar as pulseiras e permanecer sem elas, por um tempo. Por vaidade ou hábito ela não suportou a ausência dos adereços. Consultou o médico e juntos concordaram vestir as pulseiras desde que sob observação. O resultado do risco foi genial. Constataram que o peso e o balançar das pulseiras estimulava seu braço; as pulseiras funcionaram como uma espécie de dispositivo automático de massagem linfática”.
Comportamento, magia, tato, escultura, arquitetura, cinetismo, interface, corpo. Como em um caleidoscópio estas referências vão se somando e se sobrepondo no processo de criação artística. Trata-se, aqui, não somente de desenvolver um novo dispositivo escultórico, mas de pensá-lo dentro de uma nova escala que possa dialogar com as formas do corpo de quem o veste.
Dentro deste turbilhão de idéias, pulseiras de metais, de materiais com memória de forma, molas entre outros materiais que se comportam a partir do movimento do braço do usuário são algumas das possibilidades vislumbradas pelos artistas.
No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização constitui-se por uma série de satisfações, recusas, decisões que possivelmente encontram inúmeras bifurcações que dão origem a uma nova obra. Que cheguem a nós estas novas obras de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti!