O SEU CAMINHO: SITE-SPECIFIC: CLAUDIA JAGUARIBE
Natureza diluída: por um jogo de percepção
Imaginar caminhos é como sonhar. Um ato descontínuo, ambíguo e ilusório. Ao construir paisagens, pensamos na idéia, quase sempre, de um território desejável. A imagem que formulamos destoa da natureza como ela se coloca para nós. Pensar por imagens é tracejar a forma de um tempo e de um espaço intermediários, que ficam no meio, no hiato da sugestão, de narrativas imaginárias, pelas quais apreendemos a subjetividade dos lugares.
Neste ensaio, O Seu Caminho, de Claudia Jaguaribe, a incerteza é o ponto de fuga. Fluxo, instabilidade, iminência, passagem, desterro. O olhar sobre a natureza nos indica um volume de água desmedido. Entretanto, a água – enquanto personagem fotográfico – não é tola, tampouco tranqüila em sua essência. A natureza representada por Claudia Jaguaribe é enunciado e signo. As paisagens, apesar de belas, irrompem o ideal, de sua plasticidade fotogênica. O emaranhado em O Seu Caminho dá forma a outros sentidos e problematiza o que não ousaríamos pensar: o discurso da negação do escoamento de um tempo capturado em mecanismo de simultaneidade e desdobramentos entre imagens.
A suavidade dos tons e as camadas táteis da água criadas por Claudia, trazem certa ambigüidade, não são tão serenas. Cada fotografia desvela uma costura, um alinhavar minucioso de hipóteses. Como se fora captado num pretenso álbum de viagem, a narrativa respira pela memória de lugares visitados por pessoas que cravam sua ida nas imagens. Tais arquivos visuais são reformulados pela fotógrafa. Ao nos determos o olhar, percebe-se fragmentos, sobreposições. São processos técnicos que dialogam, travam elos numa tênue relação de contiguidade. As imagens que fazem parte deste trabalho deslocaram-se de sua unidade para surgirem como errantes. Nessa dinâmica, foram reunidas, pensadas para darem sentido umas às outras. A idéia de caminho se imbrica a um tempo que não parece ter começo, meio e fim. Foi burlado por Claudia Jaguaribe para desencadear sensações e interpretações diante de um trajeto no qual a fotografia é um meio, mas não o fim de sua poética.
Ao intervir, agrupar, rever cores, inserir formas sutis e enfatizar texturas, as fotografias passam a interpretar o conceito da natureza não pelo viés ecológico, porém íntimo e reflexivo de postura da fotógrafa diante desta temática. O filósofo Henri Bergson questionava: “Como passamos desse tempo interior para o tempo das coisas? Percebemos o mundo material e essa percepção nos parece, com ou sem razão, estar concomitantemente em nós e fora de nós: por um lado, é um estado de consciência; por outro, é uma película superficial de matéria (…)”. De certo modo, experimentamos esses tempos em O Seu Caminho.
Claudia Jaguaribe, certa vez, disse que não via muito sentido em apenas registrar um elemento que já existia com aquela forma muito antes da sua presença. “Eu procuro realmente recriar o objeto, como uma pequena escultura que vai sair das minhas mãos”. Esta reflexão sobre seu trabalho comercial ocorreu em 1991. Passados esses anos, Claudia continua manipulando a realidade como dispositivo de construção de significado, que vai além do documento e se aproxima do relato. Em O Seu Caminho, ela segue o mesmo princípio com outra natureza e tempo fotográficos, sem que esgote os próprios caminhos da nossa percepção.
Georgia Quintas é antropóloga, trabalha com pesquisa e crítica fotográfica.