TERRITÓRIOS E CAPITAL: EXTINÇÕES: LOURIVAL CUQUINHA

Overview


Se no começo da sua história os EUA foram exemplo de desordem econômica, com diversos tipos diferentes de moeda circulando em seu território, ao longo do século XX o país se tornou o grande responsável pela unificação do sistema econômico mundial, com o abandono definitivo por parte do governo americano do padrão-ouro, no começo da década de 70. Assim, a ideia de dinheiro deixou de ter expressão em uma equivalência material em ouro, que ordenava o valor relativo das moedas nacionais. Desde então, esse valor passou a ser garantido pela importância da economia dos países e, em última instância, pelo seu peso político, o que conferiu ao dinheiro em circulação virtualidade e simbologia inéditas, ao mesmo tempo em que mais e mais aspectos das relações sociais passaram a ser quantificados e ordenados monetariamente. Esses dois processos paralelos conferiram um caráter essencialista ao dinheiro, que se tornou pura expressão de poder, seja de Estados e instituições, seja de indivíduos.

Em Territórios e capital: extinções, Lourival Cuquinha trabalha precisamente sobre a tensão desse novo status. A exposição é composta por uma grande instalação, consistindo em um asterisco tridimensional, que corta e reordena o espaço, feito com moedas de R$ 0,05, em cujas hastes estão penduradas bandeiras de 10 países produzidas com cédulas de diferentes moedas. No centro do asterisco, um cubo guarda a peça O trabalho gira em torno, composta por 3 rickshaws cuja manipulação produz sons e a projeção de imagens gravadas nas ruas de Londres. Ao longo de praticamente toda sua obra, Cuquinha vem revolvendo as entranhas dos costumes e das leis, em uma ampla investigação política e ironia. Nesta exposição, as interrogações sobre a virtualidade dos valores, encenados e reencenados ao longo da História, são levadas ao extremo, explorando um repertório conceitual de singular força política. A relação estabelecida entre imagens dos países, seus dois emblemas mais conhecidos (a imagem que é sua bandeira, a imagem que é seu dinheiro), embaralha a ideia de valor (nacional) e bandeira (pela qual lutar): sua luta é econômica, seu símbolo é comercial, marca ou emblema de uma empresa.  As obras, vistas em conjunto, podem ser tomadas como um comentário crítico sobre marcos da história econômica mundial: estão ali representadas por exemplo a crise de 2008 e as tensões entre Cuba e os EUA. Ao mesmo tempo, a presença de O trabalho gira em torno – peça concebida a partir da experiência do artista como rickshaw em Londres –  indica, como uma peça arqueológica, um lugar social onde o trabalho e o esforço físico ainda estão intimamente conectados à concretude do dinheiro e da remuneração.

Ao manipular cédulas, objetos-fetiche por excelência do poder, Cuquinha dá prosseguimento à elaboração do seu pensamento político, explorando o universo da pura virtualidade do valor. Comentando os disparates da cultura, evidencia a reversibilidade da verdade que o hábito sustenta (a lei não é mais a última ou única palavra). Ele se torna assim um especialista em causar interferências sobre os hábitos das imagens, em provocar instabilidade; sua obra não é rompedora de limites – não é o lado de fora que a interessa, mas discutir as regras do lado de dentro, que é onde, depois das revoluções, sempre permanecemos.

Gabriel Bogossian

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